terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Tragédia no Meco- o mundo maravilhoso das praxes!

Sempre fui contra qualquer tipo de "celebração" ou acto, ou ritual, whatever, em que alguns seres humilham´e maltratam, seja física seja psicologicamente, outros. Seja touradas, violência doméstica, abuso de menores, violações, ou praxes. Sim, pode-se meter tudo no mesmo saco, pois as praxes mais não são do que o aproveitamento por parte de gente frustrada de uma situação para descarregar essas mesmas frustrações noutros que estejam numa situação de putativa "desvantagem".

Podem dizer que é tradição (o mesmo argumento para as touradas, que serviria também para manter rituais tribais, se em nome da tradição não tivéssemos evoluído da Pré-História, das grutas e das cavernas, até aos dias de hoje, em que vivemos em sociedade, organizados, com respeito pela dignidade dos outros, pelos direitos fundamentais de cada um, pelo menos, supostamente), que serve para "integrar" os caloiros (sim, unem-se por serem todos humilhados ao mesmo tempo, uau!), que "prepara para a vida" (esta é linda...), mas tudo isso são tretas!

No meu caso pessoal, nem me pude queixar muito, tive a praxe dita "normal", pinturas na cara, e só tive que comer uma mixórdia estranha que parecia sopas de cavalo cansado mas também podia ser comida de cão, o que é fantástico, mas enfim, do mal o menos, mas ninguém me maltratou, nem tive que entrar naquelas "brincadeiras" ditadas pelos veteranos, e também não vi nada de muito horrível passar-se com ninguém. Depois fomos todos para o anfiteatro com umas orelhas de burro, e pronto, foi isso. Não foi, para mim, um dia minimamente traumatizante, mas enfim, dispensava.

Mas ainda assim continuo a ser contra, exactamente por saber que a natureza humana é assim mesmo, corrompe-se pelo que pensa ser "o poder", e especialmente aqueles que foram humilhados um dia, se não tiverem cabecinha para seguirem o caminho do bem, vão ser pessoas más e vingativas, e vão querer fazer o mesmo a alguém... inocente! E assim se perpetua esta corrente de estupidez ano após ano!

O mais "interessante" é tudo isto ocorrer no âmbito do ensino universitário! Ou seja, como é que pode conviver o interesse em aprender, em saber mais, em construir um percurso profissional e de vida, com esta estupidificação de maltratar e humilhar os pares, sim, porque caloiros, bestas, veteranos, pastranos, são todos alunos, colegas, estão todos ali pelo mesmo! Não é mais fácil integrar os caloiros com festas de caloiros, amadrinhamentos e apadrinhamentos, enfim, outras tradições que já existem e são mais que suficientes?

Tradição ou não, a verdade é que os abusos têm sido crescentes, na última década já existiram várias mortes decorrentes das praxes. Recordo-me de um miúdo que morreu devido a ferimentos cerebrais por causa de uma pancada que levou na nuca enquanto fazia flexões (...), outra rapariga que morreu de paragem cardio-respiratória durante as praxes, e a outra que não morreu mas foi humilhada ao ponto de lhe barrarem no corpo excrementos de animal, e que desistiu (pelo menos na altura), de enveredar pelo ensino universitário.

Invariavelmente, para os que acabam por ter a coragem de seguir para tribunal, que é onde se resolvem as questões civis e CRIMINAIS, porque é de crimes que estamos a falar, acaba por ser a universidade condenada na indemnização cível. Muito bem, antes isso que nada. Mas, e a responsabilidade criminal? Quem praticou os actos, o verdadeiro autor dos crimes, independentemente da responsabilidade da universidade (que até é discutível, pois os alunos combinam inclusivamente estes "encontros" ao fim de semana, fora do recinto universitário, como é o caso, e a universidade não pode ser babysitter dos alunos 24 horas/ dia, 7 dias/semana), não pode ficar impune. Não pode esconder-se no meio da multidão daquela comunidade académica e não responder pelos seus actos. Porque, à partida, inimputáveis não são! Têm mais de 18 anos, são maiores, se forem incapazes, provem-no! Mas quem deu a pancada na nuca do outro rapaz devia ser punido criminalmente, por homicídio!

No caso destes seis jovens que morreram no Meco, ninguém sabe o que se passou, e enquanto a sua majestade Dux não resolver falar, ninguém vai saber! Mas estes pais merecem saber a verdade, apesar de nem esta nem nada nem ninguém trazer de volta os seus filhos, e essa ser uma dor cuja dimensão eu nem quero sequer imaginar, mas pelo menos merecem saber a verdade.

Por isso, espero que esse Dux agora seja homenzinho, já que foi tão "preparado para a vida", e conte o que se passou e assuma a sua quota parte de responsabilidade, se houver. Porque ser homenzinho e estar preparado para enfrentar a vida é isto mesmo, é enfrentar os problemas, assumir responsabilidades e consequências. E também respeitar os outros, a integridade física e moral. Não é sermos muito mauzões quando pensamos ter os outros na nossa mão e depois escondermo-nos como ratinhos quando tudo se vira contra nós.

Espero, quanto mais não seja por uma questão de justiça, que a verdade venha ao de cima, e que a vida destes jovens, ou a sua perda, sirva ao menos para se fazer alguma coisa para se acabar com este absurdo estupidificador que são estas praxes. Estas praxes, atenção. Estas, que envolvem maus tratos, abusos, e que acredito que nem eram assim que se faziam na sua origem, que nem era este o objectivo, e que, nese caso, mesmo para aqueles que defendem que é "tradição", a tradição já não é o que era!

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